Puseram mal<br>o que estava bem
Consagrando as transformações democráticas alcançadas com a revolução antifascista, a Constituição de 1976, desde muito cedo, foi alvo da furiosa campanha das forças reaccionárias. Liquidar a sua matriz libertadora e progressista foi o objectivo que sempre animou as forças e sectores monopolistas e agrários que viram os seus interesses de classe tocados pelo regime democrático. Para o que contaram, em várias ocasiões, com a prestimosa
ajuda do PS que, de cedência em cedência, foi dando perigosas facilidades e instrumentos à direita para a realização dos seus objectivos estratégicos de liquidação das conquistas de Abril.
O que explica, para além dos rudes golpes desferidos ao texto constitucional, empobrecendo-o, numa linha de retrocesso, a introdução de outras modificações operadas em sucessivas revisões constitucionais de que resultaram preceitos negativos no texto actual da Constituição.
Sistema político
No plano do sistema político, destacando-se como traço profundamente negativo, emerge a possibilidade aberta na revisão de 1997 de redução por lei do número de Deputados, o que se traduziria, distorcendo a representatividade, no aumento do peso dos dois maiores partidos e na diminuição ou eliminação dos restantes.
É, de facto, a adulteração das regras da democraticidade da eleição da Assembleia da República e das Câmaras Municipais, remetendo aspectos essenciais para entendimentos futuros do PS e PSD a verter em Lei ordinária.
A juntar a esta alteração surge ainda, com incidência igualmente grave, a possibilidade de introdução de círculos uninominais (artigo 149.º), inscrita na Constituição na mesma altura. É o acentuar da lógica da bipolarização artificial, visando perpetuar um rotativismo entre PS e PSD, mutilador do universo das opções de voto dos eleitores.
Direitos, Liberdades e garantias
Em matéria de direitos, liberdades e garantias, é na revisão de 2001, destinada a adaptar a Lei fundamental aos estatutos do Tribunal Penal Internacional (artigo 33.º, n.º 3), que se verificam reveses em direitos fundamentais. As garantias constitucionais dos cidadãos portugueses em matéria de processo criminal foram preteridas a favor da jurisdição do TPI e da cooperação judiciária estabelecida no âmbito da União Europeia, passando a ser possível extraditar cidadãos nacionais para países da União Europeia. As forças policiais passaram também a poder efectuar buscas domiciliárias nocturnas, isto é, foi eliminado o carácter absoluto da inviolabilidade do domicílio à noite. Para o PCP, que a classificou de «grave entorse» na ordem jurídica, esta alteração significou um «avanço na escuridão».
A liberdade de imprensa, em particular o jornalismo de investigação, foram também um dos alvos na revisão de 1997, com a constitucionalização do segredo de justiça.
Saúde
Numa área tão sensível como é a saúde, também sobre esta se abateu a ferocidade da visão neoliberal, já na altura a fazer o seu caminho. Estava-se na revisão de 1989 (2.ª revisão), com o PS e o PSD – sempre eles - a introduzirem no artigo 64.º, n. 2.º, alínea a), o carácter tendencial na gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde, em ordem a permitir na altura a introdução das taxas moderadoras.
Fizeram juras de que o «tendencial» seria no sentido da gratuitidade. Tem-se visto pelo curso dos acontecimentos...
Poder local
Em matéria de poder local, o texto constitucional não obriga hoje que as câmaras municipais sejam eleitas directamente pelas populações. «A câmara municipal é o órgão executivo colegial do município», afirma apenas a Constituição no seu artigo 25.º. O que significa, como os comunistas têm denunciado, que está em aberto a possibilidade de na lei eleitoral para as autarquias locais se instituírem sistemas de eleição indirecta, isto é, que as câmaras municipais deixem de ser eleitas directamente pela população e percam a sua composição plural, como de resto têm vindo a propor PS e PSD, visando a composição monocolor dos executivos camarários.
Forças Armadas
No plano das Forças Armadas, no que respeita em concreto à sua organização, foi na revisão constitucional de 1997 que ocorreram duas importantes alterações. A primeira (artigo 275.º, ponto 5.) diz respeito à incumbência atribuída às Forças Armadas de satisfazer compromissos militares internacionais, o que passou a permitir a sua integração em missões da NATO.
A segunda alteração prende-se com o carácter facultativo que passou a ser dado ao serviço militar, até aí obrigatório, o que se traduziu na sua eliminação posterior na lei e na profissionalização total das Forças Armadas. Muito crítico em relação a esta eliminação da inscrição constitucional da obrigatoriedade do serviço militar obrigatório, o PCP considerou tratar-se de uma alteração que marcou o fim de «uma Forças Armadas ligadas a todo o povo português e vividas por todo o povo».
Relações internacionais
Também no domínio das relações internacionais foram acrescentadas nas revisões constitucionais disposições negativas (os novos números 6. e 7.) que permitem hoje, por um lado, a transferência de poderes para as instituições da União Europeia em diversas áreas, incluindo a política externa, a política de segurança e a política de defesa, e, por outro lado, a aceitação da jurisdição de um instrumento ao serviço da nova ordem imperial ditada pelas potências imperialistas como é o Tribunal Penal Internacional, entretanto criado.
«As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pela União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Assim reza o n.º 4 do artigo 8.º, introduzido em 2004, na sexta revisão, uma norma que o PCP reputou de extrema gravidade por significar, em sua opinião, a subordinação da legislação portuguesa, incluindo a própria Constituição, ao direito comunitário. A introdução desta norma, aprovada por PS, PSD e CDS, sem levarem em conta a vontade popular (certo é que rejeitaram a proposta do PCP destinada a permitir o referendo da vinculação do Estado a um tratado europeu), representou uma espécie de «sim» antecipado daqueles partidos à dita «constituição europeia», cujo processo sofreu um duro revés com o Não de franceses e de holandeses.
Bloqueio
à Regionalização
Falar de regionalização é falar de mais uma história de cedência do PS às reivindicações do PSD. Melhor dizendo, da história de sabotagem que este último com mestria tem sabido executar perante um PS colaborante com o bloqueio e mais disposto a adiar a questão para as calendas gregas. Dá-se mesmo esta coisa espantosa de ser a única matéria que, apesar de prevista na Constituição, está condicionada pela realização de uma consulta referendária obrigatória. E tudo porque aqueles partidos, em 1997, enxertaram na Constituição uma norma impondo que a instituição das regiões administrativas está sujeita a referendo (artigo 256.º), com os resultados que se conhecem.
Mutilar
a democracia
A existência de um sector público deixou de ser obrigatória na revisão de 1997, alteração esta que representou uma mutilação à democracia económica e à democracia social, como advertiu o PCP. Esta revisão abriu igualmente as portas à privatização das funções sociais do Estado.
Alterações negativas à Constituição foram ainda introduzidas na revisão de 1997 no artigo sobre os direitos das comissões de trabalhadores (artigo 54.º, ponto 5. alínea c), limitando o âmbito da sua intervenção na vida da empresa. Outra alteração igualmente grave foi a constitucionalização de limitações do direito à greve (artigo 57.º), mais uma reivindicação do PSD a que o PS acedeu. Esta alteração materializou-se numa nova alínea ao artigo que remete para lei as condições de definição de serviços mínimos durante a greve.
ajuda do PS que, de cedência em cedência, foi dando perigosas facilidades e instrumentos à direita para a realização dos seus objectivos estratégicos de liquidação das conquistas de Abril.
O que explica, para além dos rudes golpes desferidos ao texto constitucional, empobrecendo-o, numa linha de retrocesso, a introdução de outras modificações operadas em sucessivas revisões constitucionais de que resultaram preceitos negativos no texto actual da Constituição.
Sistema político
No plano do sistema político, destacando-se como traço profundamente negativo, emerge a possibilidade aberta na revisão de 1997 de redução por lei do número de Deputados, o que se traduziria, distorcendo a representatividade, no aumento do peso dos dois maiores partidos e na diminuição ou eliminação dos restantes.
É, de facto, a adulteração das regras da democraticidade da eleição da Assembleia da República e das Câmaras Municipais, remetendo aspectos essenciais para entendimentos futuros do PS e PSD a verter em Lei ordinária.
A juntar a esta alteração surge ainda, com incidência igualmente grave, a possibilidade de introdução de círculos uninominais (artigo 149.º), inscrita na Constituição na mesma altura. É o acentuar da lógica da bipolarização artificial, visando perpetuar um rotativismo entre PS e PSD, mutilador do universo das opções de voto dos eleitores.
Direitos, Liberdades e garantias
Em matéria de direitos, liberdades e garantias, é na revisão de 2001, destinada a adaptar a Lei fundamental aos estatutos do Tribunal Penal Internacional (artigo 33.º, n.º 3), que se verificam reveses em direitos fundamentais. As garantias constitucionais dos cidadãos portugueses em matéria de processo criminal foram preteridas a favor da jurisdição do TPI e da cooperação judiciária estabelecida no âmbito da União Europeia, passando a ser possível extraditar cidadãos nacionais para países da União Europeia. As forças policiais passaram também a poder efectuar buscas domiciliárias nocturnas, isto é, foi eliminado o carácter absoluto da inviolabilidade do domicílio à noite. Para o PCP, que a classificou de «grave entorse» na ordem jurídica, esta alteração significou um «avanço na escuridão».
A liberdade de imprensa, em particular o jornalismo de investigação, foram também um dos alvos na revisão de 1997, com a constitucionalização do segredo de justiça.
Saúde
Numa área tão sensível como é a saúde, também sobre esta se abateu a ferocidade da visão neoliberal, já na altura a fazer o seu caminho. Estava-se na revisão de 1989 (2.ª revisão), com o PS e o PSD – sempre eles - a introduzirem no artigo 64.º, n. 2.º, alínea a), o carácter tendencial na gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde, em ordem a permitir na altura a introdução das taxas moderadoras.
Fizeram juras de que o «tendencial» seria no sentido da gratuitidade. Tem-se visto pelo curso dos acontecimentos...
Poder local
Em matéria de poder local, o texto constitucional não obriga hoje que as câmaras municipais sejam eleitas directamente pelas populações. «A câmara municipal é o órgão executivo colegial do município», afirma apenas a Constituição no seu artigo 25.º. O que significa, como os comunistas têm denunciado, que está em aberto a possibilidade de na lei eleitoral para as autarquias locais se instituírem sistemas de eleição indirecta, isto é, que as câmaras municipais deixem de ser eleitas directamente pela população e percam a sua composição plural, como de resto têm vindo a propor PS e PSD, visando a composição monocolor dos executivos camarários.
Forças Armadas
No plano das Forças Armadas, no que respeita em concreto à sua organização, foi na revisão constitucional de 1997 que ocorreram duas importantes alterações. A primeira (artigo 275.º, ponto 5.) diz respeito à incumbência atribuída às Forças Armadas de satisfazer compromissos militares internacionais, o que passou a permitir a sua integração em missões da NATO.
A segunda alteração prende-se com o carácter facultativo que passou a ser dado ao serviço militar, até aí obrigatório, o que se traduziu na sua eliminação posterior na lei e na profissionalização total das Forças Armadas. Muito crítico em relação a esta eliminação da inscrição constitucional da obrigatoriedade do serviço militar obrigatório, o PCP considerou tratar-se de uma alteração que marcou o fim de «uma Forças Armadas ligadas a todo o povo português e vividas por todo o povo».
Relações internacionais
Também no domínio das relações internacionais foram acrescentadas nas revisões constitucionais disposições negativas (os novos números 6. e 7.) que permitem hoje, por um lado, a transferência de poderes para as instituições da União Europeia em diversas áreas, incluindo a política externa, a política de segurança e a política de defesa, e, por outro lado, a aceitação da jurisdição de um instrumento ao serviço da nova ordem imperial ditada pelas potências imperialistas como é o Tribunal Penal Internacional, entretanto criado.
«As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pela União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Assim reza o n.º 4 do artigo 8.º, introduzido em 2004, na sexta revisão, uma norma que o PCP reputou de extrema gravidade por significar, em sua opinião, a subordinação da legislação portuguesa, incluindo a própria Constituição, ao direito comunitário. A introdução desta norma, aprovada por PS, PSD e CDS, sem levarem em conta a vontade popular (certo é que rejeitaram a proposta do PCP destinada a permitir o referendo da vinculação do Estado a um tratado europeu), representou uma espécie de «sim» antecipado daqueles partidos à dita «constituição europeia», cujo processo sofreu um duro revés com o Não de franceses e de holandeses.
Bloqueio
à Regionalização
Falar de regionalização é falar de mais uma história de cedência do PS às reivindicações do PSD. Melhor dizendo, da história de sabotagem que este último com mestria tem sabido executar perante um PS colaborante com o bloqueio e mais disposto a adiar a questão para as calendas gregas. Dá-se mesmo esta coisa espantosa de ser a única matéria que, apesar de prevista na Constituição, está condicionada pela realização de uma consulta referendária obrigatória. E tudo porque aqueles partidos, em 1997, enxertaram na Constituição uma norma impondo que a instituição das regiões administrativas está sujeita a referendo (artigo 256.º), com os resultados que se conhecem.
Mutilar
a democracia
A existência de um sector público deixou de ser obrigatória na revisão de 1997, alteração esta que representou uma mutilação à democracia económica e à democracia social, como advertiu o PCP. Esta revisão abriu igualmente as portas à privatização das funções sociais do Estado.
Alterações negativas à Constituição foram ainda introduzidas na revisão de 1997 no artigo sobre os direitos das comissões de trabalhadores (artigo 54.º, ponto 5. alínea c), limitando o âmbito da sua intervenção na vida da empresa. Outra alteração igualmente grave foi a constitucionalização de limitações do direito à greve (artigo 57.º), mais uma reivindicação do PSD a que o PS acedeu. Esta alteração materializou-se numa nova alínea ao artigo que remete para lei as condições de definição de serviços mínimos durante a greve.